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Coluna publicada na edição impressa do dia 17/04/2025
Um folhetim novelesco surgiu na TV em 1988 para escancarar algumas mazelas do Brasil de então. Vale Tudo entrou nos lares brasileiros com a proposta de mostrar o país do ‘jeitinho’ e dissecar os dilemas éticos da vida nacional.
Em meio ao conflito entre a mãe, que acredita vencer na vida com trabalho duro, e a filha, que julga que vale tudo para subir na vida, incluindo passar por cima de tudo e de todos, existe a vilã rica que desdenha do Brasil e dos brasileiros. Caricata, a vilã desponta numa sociedade dividida pelo abismo entre ricos e pobres. De cima do seu alto padrão econômico, ela se dá o direito de debochar de quase todos.
Problemas como a corrupção, a impunidade, o racismo, a discriminação sexual e a desigualdade social permeiam a trama como se perguntasse ao país: qual é a tua cara? A desonestidade era um traço tão característico do Brasil que parte da letra da música de abertura diz: “Não me subornaram/ Será que é meu fim?”. Ou seja, receber e aceitar suborno era considerado comum e praticamente obrigatório para sobreviver, fosse no setor público ou privado.
Há quatro décadas o país vivia em meio a escândalos de superfaturamento e nepotismo por parte do governo José Sarney. Depois vieram a CPI dos ‘Anões do Orçamento’, a do ‘Mensalão’ – esta que levou à ‘Operação Lava-Jato’; entre outras, envolvendo corrupção e impunidade – combinação própria do Brasil.
Vale Tudo voltou às telas brasileiras e surge a questão: melhoramos, ou continuamos a ser a pátria do cinismo e do preconceito? Recentemente, houve a investigação de venda de sentenças pelo Superior Tribunal de Justiça. A quebra das Lojas Americanas e a morosidade no julgamento envolvendo tragédias como o incêndio da Boate Kiss - RS em 2013, o rompimento da barragem do Fundão-MG em 2015, o rompimento da barragem de Brumadinho-MG em 2019 são exemplos de que a iniciativa privada também produz flagelos econômicos e humanos que envolvem descaso com a vida, impunidade...
O Índice de Percepção de Corrupção de 2024 mostrou que o Brasil chegou a sua pior posição até hoje: 107o no ranking internacional. Na questão desigualdade, deixamos de ser o país da hiperinflação e passamos por programas e reformas que diminuíram o fosso entre os mais ricos e os pobres, especialmente com a estabilização da moeda pelo Plano Real (1994). A desigualdade de renda em 1988 era de 0,616, em 2024 caiu para 0,517, indicando melhora.
O racismo foi transformado em crime inafiançável pela Constituição de 1988, mas ainda somos um país que não oferece as mesmas oportunidades a todos. Muitas vezes, o racismo e a discriminação sexual vêm associados ao poder econômico, pois dependendo disso, alguns são “mais iguais” que outros.
Apesar da desigualdade ter sido atenuada, estamos longe do ideal. Considerando fatores como renda, educação, acesso à informação, água, saneamento, moradia, proteção contra o trabalho infantil e segurança alimentar, ainda temos 59 milhões de pessoas vivendo na pobreza e perto de 10 milhões na extrema pobreza, conforme dados de 2023 do IBGE.
Somos um país em que a maioria das pessoas trabalha, movendo os motores de uma imensa engrenagem. Só não somos melhores porque o Brasil também abriga o preconceito, o oportunismo e o cinismo de quem não tem compromisso com o país. Na questão ética, ainda há o vale tudo para a conquista dos próprios interesses. O bem-estar coletivo precisa estar na agenda de todos para que a cara do Brasil saia melhor na foto.
Fonte consultada: texto Brasil, Mostra a tua Cara – por Kelly Miashiro. Revista Veja de 28 de março de 2025. Editora Abril.
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