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Por Ruy Samuel Espíndola,
Vivemos no Brasil de 2025 um momento jurídico e político que ficará registrado na história do constitucionalismo brasileiro e mundial.
As alegações finais da Procuradoria-Geral da República na Ação Penal 2.668/DF — processo que tem como réu o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro — constituem peça acusatória de gravidade incomum e densidade probatória avassaladora, em face da arquitetura golpista revelada durante o governo anterior.
O que se observa é mais que a imputação de condutas típicas na seara penal; é o enfrentamento constitucional do que se chama de tentativa de ruptura institucional com o intento de subverter a República e fazer regredir ou transmudar nossa Democracia para formas iliberais ou autoritárias.
A Constituição brasileira de 1988 não é apenas um pacto político-jurídico ordenante de nossa sociedade e estado. É um compromisso histórico com a civilização, e nela, com o estado de direito e as formas constitucionais da democracia. Nesse processo criminal, seus fatos em debate, demonstram que esse compromisso foi afrontado em sua base: o Estado Democrático de Direito.
As razões acusatórias finais do Procurador-Geral da República Paulo Gonet Branco, ratificam e demonstram, que Bolsonaro foi comandante de uma organização criminosa que operou não só por meios ilegais espúrios e digitais subterrâneos, mas também com a manipulação deliberada da máquina pública, das redes de desinformação, das estruturas militares e de uma base social extremada.
O ex-Presidente Jair Bolsonaro é acusado de liderar um complexo aparato criminoso aliado a membros de nossas forças armadas com ramificações nos poderes públicos e nos meios civis, com vistas à abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), à tentativa de golpe de Estado (art. 359-M do CP), à prática de dano qualificado contra o patrimônio da União e à deterioração de patrimônio tombado.
Evidências concretas, devidamente comprovadas segunda narram denúncia e alegações finais, assim como as provas documentais amealhadas e testemunhos dados ao longo do processo, mostram que a conspiração se iniciou já em 2021, com discursos públicos e ações concretas para desacreditar o processo eleitoral e o sistema eletrônico de votação, fomentar desconfiança sobre as instituições e preparar o terreno para a insurreição.
Tudo se tornou ainda mais grave após o resultado das eleições de 2022, quando, derrotado, Bolsonaro se recusou a reconhecer legitimamente o resultado das urnas, incitou a população por canais oficiais e extraoficiais, e buscou, por meio da conspiração de setores militares e do caos social, impedir a posse do Presidente eleito.
A peça final de Gonet é rica em demonstrações factuais: reuniões golpistas com militares, circulação e avaliação de minutas inconstitucionais que previam prisão de autoridades e anulação do pleito, mobilização da chamada “ABIN paralela”, instrumentalização das forças armadas e das polícias, além da omissão/comissiva, proposital mesmo, diante dos atos de 8 de janeiro de 2023.
Nesse dia da "infâmia", hordas extremistas invadiram os Três Poderes em marcha organizada, incitadas por palavras de ordem e narrativas construídas a partir do recalcitrante e disruptivo discurso do então Presidente.
A gravidade do episódio não está apenas nos seus atos externos. Ela encontrava-se na possibilidade real de ruptura interna de nossas instituições e no uso ilegítimo e desviante do poder por quem deveria garantir a eficácia e o cumprimento da Constituição na seara social e política: a Presidência da República.
Como enfatizam o Ministério Público e a lei penal vigente, o golpe de Estado não requer sucesso para sua consumação típica; sua tentativa já implica gravíssimo atentado à ordem democrática.
O simples fato de autoridades públicas utilizarem os instrumentos de Estado para inviabilizar a alternância de poder legitima a imputação penal e exige resposta exemplar de nossas instituições jurídicas.
E quando se imaginava que o desatino institucional dos aliados de Bolsonaro cederia ao peso da prova e da responsabilidade, surgem, em pleno curso do julgamento, dois episódios que apenas reforçam a necessidade, a oportunidade, a justa causa e o acerto histórico desta ação penal: de um lado, as declarações de Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos e correligionário ideológico do ex-Presidente brasileiro, que — em manifesta tentativa de intimidação internacional sobre a soberania do Estado Brasileiro, no seu braço judicial, o STF — ameaçou o Brasil com um “tarifaço” de 50% sobre as exportações brasileiras aos EUA, caso nossa Corte Suprema condene Jair Bolsonaro.
Trata-se de uma pressão externa inédita, insólita e inaceitável, seja sob o ângulo do Direito Internacional Público, seja sob os ângulos de normatividade da Constituição Estadunidense ou da Constituição brasileira, pressão destinada a subjugar a independência do Judiciário brasileiro à pauta de um projeto autoritário transnacional.
Tal ameaça política — com roupagem de retaliação econômica — é ato de constrangimento externo à independência judicial brasileira e fere o princípio da autodeterminação dos povos.
Como sabe a crônica jornalística e das redes sociais, esse “feito” é atribuído ao filho de Bolsonaro, Eduardo, que, conspirando contra nossa Pátria, junto ao Governo Trump, edificou a ameaça endereçada à soberania brasileira, com efeitos maléficos sobre a economia do Brasil e sobre a vida econômica dos brasileiros, o que, poderia gerar a decretação da prisão preventiva de Bolsonaro, por coação no curso do processo sobre a Corte e seus Juízes, tendo como longa manus seu filho.
De outro lado, os recentes pronunciamentos dos filhos de Bolsonaro — com destaque para o Senador Flávio e o Deputado Eduardo — em tom beligerante, conspirativo e ultrajante ao Estado de Direito, vêm não como defesa jurídica legítima do pai, mas como provocação e desafio reiterados à Justiça brasileira. Classificam o processo como “vingança”, desejam descredibilizar e mesmo desautorizar as decisões do Supremo Tribunal Federal, atacando ministros da Corte com insultos e injúrias — e assim revelam que o clã Bolsonaro, longe de arrependido, permanece refém de sua vocação autoritária.
Essas declarações públicas, distantes de eximirem o réu de culpa, apenas corroboram o acerto da decisão do Ministério Público em promover sua responsabilização. Revelam que não se trata de um episódio autoritário e subversivo da democracia encerrado no tempo, mas de um modelo de atuação política antirrepublicano, que permanece ativo, hostil à Constituição e contrário à convivência democrática.
Mas este processo criminal e seu julgamento não é apenas sobre Bolsonaro. É sobre o Brasil, é sobre o País que desejamos ser, sobre os valores que desejamos preservar e realizar enquanto povo civilizado, no caminho da institucionalidade republicana e da constante construção da sempre inacabada obra democrática.
É sobre a lição que uma nação deve dar a si mesma e ao seu povo e ao mundo, quando confrontada com uma tentativa de liquidação da democracia por dentro, como demonstram, de forma minudente, os aludidos autos de processo.
O julgamento de um ex-Chefe de Estado, pelas vias do devido processo legal, assegurada a ampla defesa e o contraditório, é prova de que o Brasil soube e está sabendo bem agir — não com ódio ou revanche, mas com firmeza democrática.
É o que chamamos de democracia militante ou democracia defensiva (Karl Lowestein). Um conceito gestado, teórica e criticamente nos anos 30 do século passado, após a ascensão de Hitler ao poder (1933), que pressupõe que o Estado não deve ser neutro diante de quem atenta contra sua forma democrática.
O Brasil, neste julgamento de Bolsonaro e seus corréus, se apresenta ao mundo como exemplo. Pois não bastam à uma Democracia eleições periódicas; é preciso que as instituições estejam aptas a se defenderem de seus algozes; que o Direito Constitucional esteja aparatado, assim como a legislação ordinária e as instituições encarregadas de fazê-los operar, estejam vigilantes.
O Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e a sociedade civil estão à altura do pacto republicano corporificado na Constituição de 1988? Cremos que estiveram, estão, e não pouco e a contento, muito a contento, pois nossa Democracia segue resiliente.
A ação penal em questão é, em verdade, um teste histórico da vitalidade democrática brasileira. Teste que o País está superando com coragem, serenidade institucional e rigor jurídico. Se as instituições sobreviveram ao extremismo, é porque o texto constitucional se converteu em prática concreta. Se o julgamento de Bolsonaro avança, é porque o Estado de Direito está vivo.
O mundo observa-nos, ora atento, ora atônito. E deve muito aprender com o Brasil. Porque em um tempo em que as democracias são testadas ou corroídas por dentro, é da presente lição brasileira que poderá inspirar o modelo a perdurar doravante: de um constitucionalismo robusto, antipopulista e antiautoritário, com instituições independentes e justiça constitucional altiva, como a brasileira, notadamente com o proceder hígido e cioso dos magistrados do TSE e do STF, como temos visto, notadamente, desde 2019.
E, destacadamente, enquanto Nação, enquanto Povo, devemos ter e cultivar a memória: para que o passado não se repita, não se turvem os caminhos do presente e o futuro da democracia não se apresente tão nebuloso e hostil, como anuncia e o pretende aproximar, os extremismos de direita, no mundo, que no Brasil ganhou significativo impulso com a ascensão de Jair Bolsonaro em 2018, mas que demonstra seu declínio, ainda que incerto, nos dias que passam.
Que o STF, analisando a prova e os fatos, aplique a lei com o rigor necessário para aplacar as tramas inconstitucionais que objetivaram atacar, em seu coração, nossa democracia.
Que a Sociedade, informada, politizada e ciosa na sua distinção entre verdade e mentira, entre fatos e narrativas sobre fatos, alcance o caminho da razão, da valorização e preservação de suas instituições republicanas, notadamente o TSE e o STF, aos quais tanto devemos de resiliência e combatividade em prol da Democracia constitucional. E que não a deixemos ser corroída pelas paixões e pelo obscurantismo, tão letais à normalidade cotidiana como é à vida do indivíduo, quando iludido por fake News e teorias conspiratórias.
A hora suprema chegou, o dia D da democracia brasileira se nos apresenta. Que nossas instituições continuem sabendo bem se conduzir e não desperdicem essa oportunidade em prol da justiça e do combate incansável contra as tentativas de ruptura de nossa ordem constitucional democrática, como demonstram os fatos dos últimos dias e os fatos historiados e comprovados no julgamento em curso.
Ilha do Desterro, “Ondina” de Cruz e Souza, 15.07.2025, 18h45m.
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