
Coluna publicada no dia 26 de junho
O homem decide construir uma canoa para então morar nela. Deixa mulher e filhos para trás e se posta no meio do rio, para não mais voltar. A surpresa inicial de conhecidos e familiares se transforma em aceitação do que não pode ser mudado. Somente um filho leva alimentos para o pai e conversa com ele, mesmo não ouvindo resposta.
Esta alegoria foi criada por Guimarães Rosa no conto ‘A Terceira Margem do Rio’. Somente num mundo imaginário não teríamos somente duas margens - mas uma terceira.
Em Junho de 1908 veio ao mundo João Guimarães Rosa, o poeta, o romancista que nos trouxe o realismo da vida nos sertões de Minas Gerais. O escritor não veio ao mundo a passeio, mas para nos levar a passear pelas veredas do grande sertão mineiro.
Os anos passam e a imagem do homem na canoa vai se turvando, misturando-se à bruma do rio. Qual o seu destino? Por que quis isolar-se do mundo e das pessoas? E a terceira margem, o que seria?
Em princípio, a terceira margem é um lugar que não existe. Então ela pode ser uma busca solitária por respostas que não se encontram no mundo exterior, mas sim na essência humana. O rio – aquele que nunca é o mesmo depois que passa por um lugar; é legítimo representante da vida, a que se transforma em travessia.
E o cotidiano, aquele que, se nos apresenta com uma possível guerra mundial - genocídios à parte; também festeja com danças, coloridas bandeirinhas, pipoca, pinhão, quentão, guloseimas, música e vestidos feitos de cores, fitas e babados. Ah, também temos um mundial de futebol, pra ver jogadas geniais e outras nem tão dignas.
Precisamos torcer para este ou aquele país para ganhar a guerra? E se torcermos pela paz – a terceira via? Tomar quentão, vinho, cerveja ou aquele ponche inofensivo cheio de doce espuma? Assistir ao jogo, ao filme, ler um livro ou jornal, continuar aquele bordado ou outra distração qualquer para deleite ao fim de um trabalho do dia?
No conto de Guimarães Rosa, o filho do homem ensimesmado na canoa dentro do rio se oferece para tomar o lugar do pai. Mas diante desta escolha, o filho foge antes de ouvir qualquer resposta que acaso viesse. Sente-se culpado, diminuído, humilhado diante da urgência da vida: “Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sou homem depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo.”
O homem no rio talvez tenha se desviado dos conflitos inseparáveis do cotidiano, porque as relações são por natureza conflituosas. A vida real chama todo dia cheia de novidades não necessariamente agradáveis. Em que canoa embarcamos, que travessia escolhemos?
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